segunda-feira, 26 de abril de 2010

Gestação: tempo de mudanças bio-psico-sociais


Um texto bem interessante de uma enfermeira obstetra que eu decidi compartilhar com vocês

bjs
Ingridi- Doula, mãe do JL de 1,6 meses



Descobrir uma gravidez é um impacto na vida de um casal, é um evento que muda a rotina e prevê inúmeras transformações imensuráveis. A experiência da maternidade e paternidade possibilita o auto-conhecimento, o desejo de ter um filho muitas vezes está presente antes mesmo que o casal perceba, sendo rodeado de motivos baseados em antecedentes familiares, marcados por contextos socioculturais e por influências psico-biológicas.

A partir do momento que a mulher engravida ela passa a ser um objeto de interesse e preocupação da sociedade, mas não por ela em si e sim por causa do bebê que ela carrega. “O importante é que o neném nasça com saúde, seja por parto normal ou cesáreo”, argumento que reflete a preocupação da sociedade com o bem-estar do bebê. A falta de preparo psicológico das mulheres para enfrentar a gravidez e o parto explica o alto índice de cesáreas eletivas em nosso país. Infelizmente no Brasil, o parto ainda é visto como um evento médico com possibilidade de complicação, nesse contexto a mulher é tratada como paciente que necessita de inúmeras intervenções (muitas vezes desnecessárias) e seu estado emocional é desconsiderado. O sentido humano e feminino do parto está se perdendo, sendo substituído por um processo mecânico, impessoal e frio.

Garantir o bem estar geral da mulher durante a gestação é essencial, pensando não somente no aspecto físico, mas também no aspecto emocional, que age também sobre o crescimento e desenvolvimento fetal com conseqüências em longo prazo. Nem sempre o estado emocional da gestante é levado em consideração pelos profissionais de saúde, que acreditam que esta é uma responsabilidade da família e da comunidade, e acabam se preocupando só em cumprir as rotinas e protocolos.

A experiência da maternidade proporciona à mulher a possibilidade de ampliar sua consciência através da introversão, possibilitando a integração e à harmonização de seus conteúdos conscientes e inconscientes (da psique feminina). O processo de individuação feminino só ocorrerá se a mulher considerar o caráter bivalente do arquétipo materno, quebrando o tabu da sociedade que encara a maternidade somente pelo lado positivo. A passagem de “filha” para “mãe”, requer a morte da filha para o nascimento da mãe, e vem rodeada de sentimentos intensos que irão transformar e amadurecer os pensamentos e as condutas da mulher, que pode responder de forma positiva ou negativa a essas modificações. Aceitar e mergulhar na gravidez requer um ato de fé na vida, fé de que apesar das dificuldades vale à pena viver a maternidade. Mas para que esse sentimento desperte, é necessário um solo fértil. A gestante precisa de acolhimento e compreensão.
Em nossa cultura racional e moderna, voltada ao modelo cartesiano, concede-se muito poder a razão. A intuição é vista como uma fonte de conhecimento não confiável. As emoções, sentimentos e intuições são abafados e o corpo se transforma em matéria inerte, um mero objeto de manipulação.
Assim sendo, as mulheres são firme e silenciosamente convidadas a não perguntar, não questionar, não duvidar. Ela deve continuar vivendo o período da gestação normalmente, como se não houvesse transformação alguma. Nos consultórios ela é tratada como todas as outras, afinal o protocolo deve ser seguido. Michel Odent denomina “efeito nocebo” das consultas pré-natais, os casos em que o profissional de saúde faz mais mal do que bem as gestantes, atuando sobre a imaginação, as crenças e, portanto, sobre o estado emocional. Falar de sentimentos, é besteira!!! Essa coisa de intuição não existe!!! Então a mulher se retrai e se fecha, passando a agir racionalmente, gerando conflitos entre o consciente e o inconsciente, e conseqüente instabilidade física e emocional.

A fisiologia do parto não se modifica, mas os aspectos bio-psico-social envolvidos no processo são tratados de forma diferente por cada sociedade e pelos indivíduos nela inseridos. A família, principalmente, estabelece, impõe e dita as regras e leis que são determindas pela sociedade e governam nossa conduta. Aprendemos que é preciso ser forte, racional e ter sob controle todas as situações. Assim deixamos de lado nossos desejos e nossa auto-estima, afinal a sociedade exige que a mulher assuma papeis, funções, aptidões e estereótipos que muitas vezes não condizem com seu interior.

A gestação é considerada um período de transição, um evento transformador da vida. A cultura ocidental tecnocrática considera a gestação e o parto como um processo meramente fisiológico, e estabelece as rotinas obstétricas como imprescindíveis para que o processo ocorra sem complicações, deixando clara a visão de que a tecnologia é superior à natureza. O sentido da gestação como um ritual de iniciação para a vida, se perdeu. Somos levadas a acreditar que nossa gestação é de responsabilidade do médico obstetra, que a nós cabe escutar o que ele tem a dizer e aceitar as decisões sem questionar. Dar à luz hoje se tornou uma façanha para a mulher que quer estar consciente e ser ativa durante o nascimento de seu filho.

Durante a gestação, período em que a mulher está emocionalmente vulnerável, é incorporada, inconscientemente, a idéia de que um parto medicalizado traz mais benefícios à mãe e ao seu bebê, pois ambos serão poupados do sofrimento e da dor. É criada a falsa ilusão de que tudo pode ser controlado pela desenvolvida tecnologia médica.

O estimulo à prática de terapias alternativas durante a gestação e parto ainda é pouco difundido. Poucas são as gestantes que durante o pré-natal são orientadas a praticar exercícios para fortalecer o períneo e para diminuir a dor durante o TP e parto, por exemplo. Poucas conhecem práticas alternativas para alivio dos incômodos durante a gravidez, ou que realizam atividades que garantam relaxamento e equilíbrio físico e emocional.

A transmissão das crenças e rituais para o parto na sociedade atual, se baseia num modelo tecnocrático. Quando é chegada a hora do nascimento do bebê, a mulher é levada ao hospital, onde é obrigada a colocar aquele avental verde, imediatamente é iniciado o monitoramento por aparelhos que verificam a vitalidade fetal, é indicado um soro com oxitocina para acelerar o TP, é orientada a ficar deitada e sem comer durante todo período, é colocada sobre a desconfortável mesa de parto, é realizada a anestesia para aliviar a dor, sem contar que deve estar preparada para a episiotomia. São deixadas lá, sozinhas, entregues à pessoas estranhas, que se dizem muito competentes para acompanhar todo o processo, garantindo a segurança da mãe e do bebê!!! Logo que o bebê nasce é afastado da mãe para que se cumpram as rotinas estabelecidas... É assim que somos preparadas para o parto!!! E achamos tudo isso normal!!! O anormal é querer um parto sem intervenções ou que estas sejam mínimas, é querer o apoio e proximidade de pessoas queridas, é querer acolher seu bebê, é querer ser a protagonista disso tudo e sentir-se vitoriosa e capaz de viver e entender intensamente essa nova etapa da vida...

O movimento pela humanização do parto e nascimento visa contribuir para uma mudança efetiva no modo de cuidar das gestantes, oferecendo suporte físico e psicológico com informações e orientações de qualidade para que ela possa viver seu parto com segurança, satisfação e plenitude.
Como profissionais humanizadas que queremos ser, devemos sempre carregar as características de um bom alquimista: “...ter o espírito extremamente sutil e dispor de conhecimentos suficientes(...) Assim, pois, não pode ser grosseiro de espírito ou rígido, nem pode ser voraz ou cobiçoso, indeciso e inconstante. Não deve ser apressado ou presunçoso. Pelo contrário, deve ter firme propósito, longanimidade, perseverança, paciência, docilidade e moderação.” (JUNG: 1991, 283).

As mulheres que gerarem e parirem seus bebês com consciência, certamente estarão trazendo ao mundo seres humanos preocupados em lutar para restabelecer um mundo com visão holística, baseados em valores humanísticos e saudáveis como forma de pensar e viver.

Texto de Viviane Fontes Moradei Coelho*

*Viviane Fontes Moradei Coelho é enfermeira obstetra, tem 26 anos e mora em Vitória (ES). Este texto foi elaborado como Monografia final do Módulo Gestação do curso Humanização Online 2009.
Contato: vimoradei@yahoo.com.br

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